Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Marrocos e o destino

A ida do maridão para Marrocos trouxe muitos imprevistos, peripécias, aventura e muitas saudades. É aqui que irei tentar "expulsar" os medos, as tristezas, as alegrias e as saudades.

Marrocos e o destino

A ida do maridão para Marrocos trouxe muitos imprevistos, peripécias, aventura e muitas saudades. É aqui que irei tentar "expulsar" os medos, as tristezas, as alegrias e as saudades.

 

 

 

 

 

 

 

 

No dia combinado encontrei-me com o sr. António à porta da sua Josefa. Vi a felicidade no rosto, tal como vi a dela quando o viu. 

Soube o meu nome, perguntou-me pelo Miguel e confessou que estava feliz por estarmos ali. Levou-nos até à sala e foi-nos buscar um bolo depois sentou-se e ali estivemos os 3 a conversar.

O Sr António contou-me como se conheceram e como nasceu aquele amor. Ouvindo-o tive a certeza que o amor pode ser tão intenso num casal jovem como num casal acima dos 80 anos.

Ouvindo-a falar foram varias as vezes que pensei que ali não havia alzheimer, que a ali se encontrava a mesma mulher lúcida que eu tinha conhecido uns anos antes. Infelizmente a doença deu alguns sinais. Do nada vieram conversas sem sentido às quais não consegui entrar "no jogo" como faço com os idosos que cuido. Fiquei em silêncio.

Quando de lá sai não tive duvidas que aquele bocadinho tinha valido tanto como se fossem anos para aqueles dois.

Ficou a promessa que iríamos repetir a visita.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Confesso que achei que estava a exagerar, pois ali estava ela a falar normalmente sem sinal da doença. A minha experiência com o Alzheimer nos idosos que cuido é bem diferente, pois quando vão para a Instituição vão com a doença muito evoluída.

Sempre que estavamos com o meu sogro perguntávamos como estava a sua Josefa. "Uns dias bem e outros mal em que não sabe onde pões as coisas", dizia ele.

Um dia contou-nos que ela tinha ido lá a casa e depois de ir embora lhe tinha ligado a perguntar se não tinha lá deixado a mala. Depois de lhe dizer varias vezes que não e ela dizer que de certeza que a tinha deixado resolveu lá ir para ver com os próprios olhos. Contou-nos que lhe tinha dito " Josefa telefonaste-me de casa portanto quer dizer que entraste em casa e tinhas a mala de certeza porque a chaves de casa estavam lá dentro. Portanto a mala tem de estar dentro de casa".

Acabou por lá ir com ela e depois de procurarem encontraram-na dentro do roupeiro.

Durante algum tempo ainda ia ter com ele e saiam, mas as visitas foram ficando cada vez mais espaçadas. Sempre que lhe falávamos nela víamos a tristeza dele. 

A semana passada acompanhei-o à uma consulta no medico de família e enquanto esperávamos conversávamos sobre a Josefa. Falava-me das saudades que tinha de estar com ela, em como ela era muito boa para ele e que nunca tinha havido um amuo ou zanga durante os 11 anos que saiam juntos. 

Tanto eu como o Miguel achávamos que por vezes ainda se viam e só ali tive a certeza que a ultima vez tinha sido há 3 meses. Questionei-do do porquê de não ir visita-la. Disse-me que não o conseguia fazer pois tinha receio de ser o causador de problemas com as filhas e de faltar alguma coisa lá de casa e acusarem-no. Disse-lhe que não devia de pensar assim e que tinha de pensar nele e nela, que estarem juntos ia fazer bem aos dois.

Decidi ali que tinha de fazer alguma coisa e digo-lhe " Sr António então e se eu for lá consigo?"

Com um sorriso enorme diz-me "Isso era maravilhoso. Vocês vai mesmo comigo?"

Combinámos então que na semana seguinte lá iríamos.

Assim do nada começou com uns arrotes estranhos e perdeu os sentidos. Chamei-o varias vezes e vendo que não reagia acabei por ir chamar por ajuda.

Os sinais vitais estavam normais, mas como vomitava e cambaleava um pouco a medica achou melhor ir ao hospital.

Esteve lá varias horas e os vários exames não demonstraram nenhum problema.

O Miguel acha que foi a emoção de saber que ia ver a sua Josefa novamente.

 

 

A história que trago é real e recheada de sentimentos. É longa por esse motivo irei contar por partes.

O meu sogro ficou viúvo há cerca de 13 anos e durante o ano seguinte quis viver o luto em casa abdicando das coisas que gostava de fazer. O teatro e coro que fazia parte. 

Inicialmente fazia-lhe a limpeza semanal, mas rapidamente me pediu para ser ele fazê-la pois era uma forma de passar o tempo. Passava a ferro, fazia a limpeza ( ainda que tenha o defeito terrível de não deitar nada fora, mas ficará para outro post), fazia comida (embora fosse quase sempre batatas e bacalhau) e ainda tinha genica para ir cultivar o terreno. Durante cerca de 1 ano estas eram as tarefas e apenas saia quando não tinha alternativa. 

Depois daquele ano enclausurado começou a sair regressando ao teatro, ao coro e aos bailaricos. Ficámos contentes por ter recomeçado a viver.

Recordo-me do natal há 11 anos atrás, tinha ele 78 anos,quando o questionámos se tinha uma namorada (tínhamos ouvido uns comentários) . Entrou na brincadeira e confessou que tinha uma colega dos bailaricos, chamada Josefa. Brincamos com a situação dela ser 20 anos mais nova.

O tempo foi passando e acabaram por se tornar inseparáveis. Para o filho aquela relação era algo de bom e fazia o pai feliz.

Confesso que inicialmente colocando o meu pai na situação dele me fez alguma confusão. Pensar que ele tinha outra mulher que não a minha mãe e eu aceitar era como se eu própria a tivesse a trair. Em conversa com o Miguel acabei por entender que o importante era a felicidade actual e não viver agarrado ao passado.

Sempre que o velhote estava connosco falava da senhora com um carinho enorme e naturalmente que a convidámos para o natal em nossa casa. Vimos com os próprios olhos a felicidade deles. Aliás fisicamente o homem tinha ganhado anos de vida. 

Os anos foram passando e eles todos os dias estavam juntos. Para nós era um descanso, pois sabíamos que se apoiavam um ao outro.

Há cerca de 1 ano encontrei-a e revela-me que lhe tinha sido diagnosticado alzheimer.

 

 

Fico passada dos carretos quando oiço coisas do género "A família não quer saber dele e enfiou-o num Lar", " A obrigação da família é tomar conta dos idosos",  e quando li alguns comentários sobre este caso ainda fiquei mais passada.

Estes são só alguns que me fizeram dizer uma data de caralhadas  "E estes avós porque é que tiveram de ir para o lar? A mesma neta que tira fotografias e não respeita a privacidade deles, não poderia levá-los para casa dela ou mobilizar toda a família para resolver o problema? Porque é que tem de ser sempre o Estado a resolver os problemas? Quando forem a ver, todos vivem confortavelmente, gastam pipas de massa em vícios e com animaizinhos domésticos, lugar para os velhos é que népias... É mais fácil dizer que precisam de ajuda... pois tratar deles dá muito trabalho e despesa. Esquecem-se que é para onde caminhamos e nem todos chegámos à velhice. HIPOCRISIA e FALTA DE VERGONHA!"

"Que tristeza de familia. ...egoismo a flor da pele....onde estão os filhos??? Será k estes dois idosos não merecem ser respeitados!!!É absurdo....repugnante...a familia ( filhos ) ter tempo para tudo e não têm tempo para os cuidar.....o Karma existe minha gentinha"

 Quantas pessoas fazem comentários do género sem saberem se a família tem condições para conseguir lidar com o familiar? Quando falo em condições não me refiro monetariamente, mas às condições de saúde do idoso, às condições da casa, se a família tem maneira de se ausentar do emprego para cuidar da pessoa ou se o idoso pode ficar sozinho em casa durante umas horas?

No outro dia fiquei chocadissima com uma colega em que falava de uma idosa que sofre da doença de Alzheimer e que ambas conhecíamos. O marido tinha-a colocado numa instituição para poder descansar durante umas semanas. A minha colega dizia-me " Para descansar? Ele não quer é cuidar dela"

Eu até compreendo (mas irrita-me) que as pessoas que não fazem a pequena ideia do que é cuidar de alguém com a doença de Alzheimer possam ter comentários do género, mas uma pessoa com anos de experiência a cuidar de idosos deveria pensar de outra forma. 

Imaginem algumas situações:

-Pedirem a uma pessoa para se vestir e ela não conseguir. Vocês tentam fazer essa tarefa e ela não deixa. Pior ainda, torna-se violenta. Vocês vão tentando com calma e paciência e ao fim de 10 minutos a pessoa continua por vestir.

-A pessoa não come sozinha e quando vai para a ajudar recusa comer. Você vai tentando com calma e paciência e a pessoa não come. Pior ainda fica violenta e manda com o prato pelos ares.

- Durante a noite ambos estão a dormir (doente e cuidador) e quando o cuidador acorda vê a pessoa e tudo à sua volta sujo de fezes.

Estes são apenas 3 exemplos com que os cuidadores poderão ter de lidar diariamente. Será difícil imaginar o cansaço físico e psicológico destas pessoas? Podemos condenar ou apontar o dedo aos que se sentem exaustos e colocam o seu familiar numa instituição?

Falando agora sobre o caso da noticia do casal que foi colocado em Lares diferentes.

É triste e acreditem que me choca muito, mas não posso condenar a família. Que sabemos nós para apontar o dedo?

-Não sabemos se o casal tem condições de saúde para ficar numa casa. Existem doenças em que não são compatíveis com o conforto do seio familiar.

-Não sabemos se as casas dos familiares têm condições para os receber. Há casas que têm de ser adaptadas para reunir condições para que os doentes possam estar em segurança, mas nem todas as casas podem ser adaptadas.

- Não sabemos se os familiares têm disponibilidade para ficarem com eles. São raras as pessoas que não necessitam do ordenado ao fim do mês para sobreviver, como tal não podem arriscar a perder o emprego. 

-Não sabemos se os familiares têm conhecimentos de como cuidar deles. Há doenças que é necessário serem 2 pessoas ao mesmo tempo a cuidar para não colocar em risco a vida da pessoa. Refiro-me aos posicionamentos e às transferências para a cadeira de rodas ou cama.

Não sei a realidade dos outros países, mas imagino que seja a mesma que por cá existe. Existem falta de Lares, como tal vão enchendo rapidamente e quando acontecem situações do género não existem quartos vagos para entrarem 2 pessoas ao mesmo tempo.

Resumindo: 

Na minha opinião a ida da pessoa para um Lar deve de ser o mais tardia POSSIVEL (dependendo da opinião da pessoa, pois há casos em que querem mesmo ir). Deixar o seu espaço e os seus objectos deve de ser doloroso, tal como deve de ser doloroso para os familiares terem de tomar esta decisão, mas muitas das vezes a ida para uma Istituição é a uinica possivel. A minha experiêncial profissional leva-me a não apontar o dedo a estes familiares ou a casos do genero.